Baby, de Gustav Klimt, 1917 |
Chego a escola e encontro muitos
pais saindo da comemoração com seus filhos, cartões, cartazes, presentes e ....
com a mãe das crianças. Muitas mães,
mesmo, saindo com os pais.
Um dos pais me
cumprimenta, aponta para a esposa e comenta comigo, brincando, “essas mães querem estar em todas”. Como diz
o ditado, é brincando que se fala a verdade...
Uma mãe passa e pergunta porque eu
não fui na comemoração, explico que estava trabalhando – não é bem isso mas não
vou polemizar com aquela simpática mãe tão contentinha que filou a festa do dia
dos pais. Trata-se principalmente de respeitar um momento de paternidade, pois
a data não era para celebrar a maternidade, mas enfim...
Enquanto aguardo comento com uma
querida professora que estava ali na entrada da escola que estava impressionada
com o número de mães no festejo da data da escola e a professora – que eu saiba
tem pelo menos 15 anos de sala de aula - me responde “é engraçado que as mães
querem todas vir na comemoração dos pais, mas pai nunca vejo em comemoração do
dia das mães, só em casos excepcionais”.
A situação aparentemente parece
bem bacana, louva a participação em um evento familiar e tem um lado positivo
da integração familiar mas, por outro lado, aponta
também para um fato que observo como bastante nocivo em alguns casos: a onipresença
da mãe na vida criança e sua invasão na relação da criança com o seu pai.
E traz à cena uma danosa
modalidade de maternidade, digamos assim, de mães que frequentemente se
consideram indispensáveis para seus filhos e desqualificam e invalidam qualquer
outra relação que a criança estabeleça que não seja com elas inseridas. E assim
essa mãe tem que participar de tudo na vida da criança, inclusive de espaços
que não lhe são próprios e que ela invade.
Sabemos o quão fundamental,
primordial, constitutiva e necessária é essa relação mãe/bebê, mas sabemos
também que para essa criança se desenvolver de maneira saudável essa mãe deve “desgrudar”
gradativamente do filho(a) para permitir que ele/ela possa desenvolver a sua
própria subjetividade, desejos e etc. Com o tempo é necessário que a criança
possa ter seu próprio espaço e experimentalmente ir criando seu próprio limite
emocional e corporal que a constitui e a define.
Para isso é importante que o pai
- ou um “terceiro” da relação como diz a
Psicanálise - possa entrar para “ separar” esse dupla fundida da relação
mãe/bebê. Esse terceiro “liberta” a criança da presença maciça, unívoca e
onipresente da figura materna devoradora. Esse terceiro permite que a/o bebê
possa advir como um sujeito.
Mas para que um “terceiro” possa
entrar nessa relação – e esse terceiro pode ser o pai, pode ser o nascimento de
um outro filho, pode ser o trabalho, enfim, simbolicamente seria qualquer outro
objeto de libido da mãe – essa mãe tem que permitir, essa mãe tem que se
afastar e dar esse espaço para entrarem outros objetos possíveis com os quais a
criança possa se relacionar e interagir.
Ou seja, essa separação tem que ser trabalhada
e construída pela mãe para o bem da criança, mas muitas mães com sua
onipotência, narcisismo e vaidade pensam que o ”bem” da criança está depositado todo em sua magnífica e exclusiva presença.
Essa construção da onipotência de
determinadas mães é traçada a partir de sua história pessoal, de suas experiências
na filiação de seus pais, pelos discursos do entorno, determinações da cultura e assim
como pela escolha do parceiro nessa empreitada.
E ensejam a constante desqualificação da figura do pai, que nesse tipo
de contexto acaba sendo conotado como aquele incapaz de cuidar, amar, zelar
pelo seu filho/filha.
Vou dar um exemplo que escutei na
clínica na semana passada, quando chega ao consultório uma gestante recomendada
pela sua obstetra para um acompanhamento terapêutico, pois está tendo crises
hipertensivas de fundo emocional. Com mais de 30 semanas de gestação adentra na
sala uma primípara de quase 40 anos, segura, independente, bem sucedida que
pontua que quer basicamente manejar o estresse do final da gravidez para manter
baixa a pressão arterial.
Lá pelas tantas ela começa a
descrever como será o pós parto, como ela terá que cuidar do filho, amamentar,
colocar para arrotar, trocar fraldas, dar banho, e etc acrescentando que como o pai do filho é
muito desajeitado e bagunceiro ela “sabe”
que terá que fazer tudo sozinha pois “ele não vai saber nada”. Detalhe, essa
mulher ama e admira o seu marido, vale destacar.
Trago esse caso para ilustrar
como uma mulher que nunca foi mãe e nem conviveu com crianças já assume um
lugar de domínio total sobre um contexto fantasístico no qual – antes mesmo do
filho nascer – essa mãe já previamente desqualifica o pai de seu filho antes mesmo de
conhecer seu desempenho na função paterna, já profetizando que ele será um pai
incompetente que não será capaz de cuidar do filho do casal. E o
que se rascunha nesse exemplo é uma potencial mãe onipotente e narcísica que esvazia e
deprecia qualquer outro que não seja ela mesma como suporte e amparo de seu
bebê/criança. Esse “desenho final” do pai incompetente vai ser finalizado – ou não, espero eu – no decorrer da infância dessa criança.
Quero problematizar aqui o quanto
vários discursos correntes que desqualificam e subestimam o papel dos pais na
criação dos filhos são oriundos de falas maternas, falas que não são capazes de
dar ao pai um lugar que ele possa ocupar e criar de acordo com sua maneira de
ser e de existir, no seu formato e singularidade.
São mães que somente aceitam que
os pais sejam subalternos e coadjuvantes em suas maternidades, hierarquizando a
paternidade como menor, inferior. São pais que não podem vestir os filhos a
partir de sua concepção de vestuário,
por exemplo, pois a mãe vai dizer que ele escolheu errado a roupa, o
calçado, o penteado. Como esse pai vai poder aprender e criar sua própria forma
de cuidar – como a mãe o fez – se não lhe é permitido o desempenho de suas
funções?
Essas mães onipotentes e narcísicas
são médicas, são vendedoras de loja, são
professoras. E levam para o exercício de
suas funções esse mesmo olhar desqualificante que perpetua a desqualificação e incapacidade
dos homens serem pais.
Vou dar um exemplo disso. Devido à clínica e à docência sempre trabalhei
em horários que estendem a minha jornada de trabalho do horário
convencional. Durante os primeiros anos
de vida de meus filhos lecionava Psicologia em turmas diurnas e noturnas de uma
faculdade particular, sendo que a aula da noite ia ate 22h. Desta maneira era
frequente que o meu marido e pai de meus filhos sempre chegasse antes de mim em
casa, sendo assim o primeiro a encontrar as crianças e acolher suas
necessidades.
Com raras exceções nesses
primeiros anos era frequente ser o pai quem ia ao pronto socorro pediátrico e,
de todas as vezes em que ele foi, não teve nenhuma ocasião na qual não lhe
fosse perguntando ou que fosse perguntado a criança “onde está a sua
mãe?”. A mesma pergunta que pediatras e
outras especialidades faziam ao pai de meus filhos em tratamento ambulatorial.
Eu - quando levava nossos filhos - nunca ouvi de nenhum desses especialistas a
pergunta “onde está o pai?” Acho que isso fala um pouco de nossa cultura, ao
invés de ser louvado que um pai está cuidando de seus filhos, sempre existe um
apontamento que quem “deveria” estar lá – a mãe - não está ...
Que fique claro que grande parte
do espaço que a essa mãe narcísica e onipotente da qual estou falando ocupa é
permitido/consentido/desejado por muitos pais. Muitos pais usufruem dessa
onipotência materna para sequer se engajar minimamente em suas funções. Mas
esse é um outro tema que em um outro momento conversaremos.
Nesse momento quero pensar como
algumas mães – e muitas delas tenho certeza que não se dão conta do desserviço
que fazem e pensam que estão fazendo o melhor para todos – acabam assumindo um
lugar onipresente e aprisionam filhos/filhas em uma relação de poder e
supremacia que aprisionam não somente os filhos, como os pais e a elas mesmas
em situações de dependência e sofrimento que perduram a vida inteira.
Tendo como base o adágio romano “mater semper certa est, pater semper
incertus est” outorgou-se um gigantesco poder para a mãe, para o bem e para o mal, – que acarretou ganhos
e perdas para a mulher e para o homem nesse processo. Fazendo um trocadilho
besta, depois do DNA a paternidade não é mais incerta e sabemos exatamente quem
é a mãe e quem é o pai.
Novos tempos, novas ofertas tecnológicas e sociais, novas configurações familiares ensejam novas formas de ser homem e ser mulher, assim como a construção de papéis como ser pai e mãe vem sendo reconfigurados ao longo da história.
Que possamos construir maternidades e paternidades plurais, mais saudáveis, prazerosas e parceiras.